O CRUZEIRO DO SUL — Mitos, história e imaginação

Zine Voador
4 min readMar 26, 2021

texto: João Eduardo Fonseca, Tatá Trivério e Stefanie Araujo (Grupo Mobius)
ilustrações: Zine Voador

A menção mais antiga feita à existência constelação do Cruzeiro do Sul está presente em uma carta escrita em praias brasileiras em 01° de Maio de 1500. Mas não podemos dizer que esta foi a data em que o Cruzeiro do Sul foi descoberto. Suas estrelas estavam no céu muito antes da chegada dos portugueses ao Brasil e essa constelação já era conhecida por muitos outros povos que viviam no hemisfério sul.

Quando viajamos pela Terra, viajamos sob o céu e podemos, assim, ver estrelas diferentes à medida em que transitamos pelo globo Terrestre. Os antigos usavam a posição das estrelas para demarcar datas e para se orientar. No primeiro caso, conseguiam prever as mudanças de estação do ano de acordo com as estrelas presentes no céu sobre suas cabeças num dado momento. No segundo caso, aprendiam a ir de uma região a outra lendo determinadas posições no céu; bons indicadores para isso são, por exemplo, as regiões onde as estrelas surgem no horizonte e se poem, ou o ponto invisível no céu em torno do qual as estrelas parecem girar. Esse ponto pode ser o pólo norte ou sul celeste. O Cruzeiro do Sul, aliás, é usado quase como se fosse uma seta natural para o pólo celeste sul, que nos ajuda a localizar a direção sul da Terra.

Os povos antigos também usavam as estrelas como suporte para que contassem sua história, como se o céu fosse um grande livro natural. A constelação Zodiacal do Leão, por exemplo, ajuda a contar a história do leão de Neméia, presente em Os 12 Trabalhos de Hércules.

O Cruzeiro do Sul era bem conhecido por diferentes povos indígenas que viviam no Brasil, mesmo antes de 1500. Alguns indígenas viam, na região próxima ao Cruzeiro do Sul no céu, a constelação da Ema. Essa constelação é formada por muitas constelações ocidentais diferentes, por exemplo: Centauro, Mosca, Escorpião e o Cruzeiro do Sul. O que nos permite indagar: o que é uma constelação? A definição moderna trata constelações como áreas do céu. Mas os diferentes povos vêem as estrelas à sua maneira. No caso da Ema, até um pedaço da Via Láctea é importante para esta constelação, pois o esbranquiçado compões a plumagem da ave. A Ema é representada no céu como se já tivesse comido dois ovos e ainda tem fome.

O Cruzeiro do Sul, nessa mitologia, faz parte da constelação da Ema e representa uma pequena forquilha que impede a ave de beber todas as águas do mundo, imagine só! Esse mito talvez tenha origem no fato de que a constelação da Ema surge no céu no início da estação da seca para os povos indígenas do norte do Brasil.

Assim como os portugueses viam uma cruz e os nativos brasileiros viam uma Ema, cada povo vê no céu reflexos daquilo que conhece, de sua propria cultura.

Aborígenes da Austrália, por sua vez, davam muito mais importância a uma das estrelas do que chamamos Cruzeiro do Sul, do que ao Cruzeiro do Sul propriamente dito. Recentemente, inclusive, o nome que eles usavam popularmente para essa estrela passou a ser seu nome oficial no catálogo da União Astronômica Internacional: Ginan.

A estrela Ginan, que nós brasileiros conhecemos como Pálida, representa uma bolsa cheia de canções especiais de sabedoria. A bolsa ginan, de acordo com o mito aborígene, foi encontrada por um lagostim que trouxe morcegos do submundo para a faixa esbranquiçada de estrelas que cruza o céu, que na nossa cultura chamamos de Via Láctea. Ainda de acordo com essa tradição, os morcegos viajam pelo céu, deixando canções pelo caminho.

Observar estrelas e criar padrões no céu não é diferente do que fazemos quando imaginamos figuras em nuvens. Reconhecemos, instintivamente, aquilo que nos é natural e próximo. Povos de regiões da China e, também, alguns nativos brasileiros, por exemplo, consideravam as partes escuras do céu como parte de suas constelações.

A Via Láctea, que para os gregos é uma via de leite que surgiu por causa de Hércules, para alguns nativos brasileiros representa a trilha de pegadas de uma anta sagrada; para alguns povos africanos, a Via Láctea representa o pilar que sustenta o céu em seu lugar e, para algumas tradições de povos chineses, ela é um rio criado pelos deuses para separar um casal que, apaixonados, negligenciou a tarefa de servir a seus deuses.

E você, o que vê no céu? Que histórias pode criar e contar para seus amigos e pessoas próximas? Criar histórias, dizem, é parte central daquilo que nos faz humanos.

Para alguns nativos brasileiros, a Via Láctea representa a trilha de pegadas de uma anta sagrada. Frame do vídeo Evolução do que vemos no céu.

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Zine Voador

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